Prisão de até 10 anos por tortura e perda da guarda: veja possíveis punições para pai que mantinha criança acorrentada em barril
A criança recebeu alta hospitalar e foi levada para um serviço de acolhimento na cidade.
Indiciado por tortura e em prisão preventiva, o auxiliar de serviços gerais de 31 anos, pai do menino de 11 anos resgatado em Campinas (SP) com as mãos e pés acorrentados dentro de um barril, debilitado e com sinais de desnutrição, pode pegar até 10 anos de prisão e perder a guarda do filho - a criança recebeu alta hospitalar nesta quarta (3) e foi levada para um serviço de acolhimento na cidade.
O inquérito que investiga o caso tramita em sigilo e, após concluído, será enviado ao Ministério Público (MP), que pode modificar a natureza do crime ao oferecer denúncia à Justiça.
A presidente da Comissão do Direito da Criança e do Adolescente da OAB/Campinas, Jaqueline Gachet de Oliveira, explicou sobre a pena prevista para o crime de tortura, bem como a possibilidade de indiciamento do pai também por maus-tratos, caso seja apurado que a falta de cuidados e privação de alimentação fossem recorrentes.
De acordo com a advogada, o cenário de quando o menino acabou resgatado por policiais militares tem a caracterização de tortura, e não de maus-tratos, principalmente pela intensidade e pela intenção de penalizar.
"Nos casos de maus-tratos, não existe essa 'intenção' de disciplina, enquanto na tortura vemos essa ideia de penalizar, disciplinar, vinculado a existência de uma autoridade sobre a vítima. Na prática, a diferença está na intensidade dessas ações", pontua.
Segundo Jaqueline, o Brasil é signatário de um tratado internacional contra a tortura, cuja convenção define o crime como qualquer ato pelo qual "dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente contra uma pessoa" para, entre outros fins, "castigá-la ou intimidá-la".
A pena prevista para o crime de tortura no Brasil é de reclusão de 2 a 8 anos, sendo que alguns agravantes podem aumentar o tempo de prisão.
"Se houver a comprovação de lesão corporal grave ou gravíssima, a pena passa de 4 a 10 anos, com o aumento de 1/6 a 1/3 por se tratar de criança", diz a advogada.
No caso de um indiciamento apenas por maus-tratos, a legislação prevê pena de detenção [não começa no regime fechado] de dois meses a 1 ano, ou multa [o condenado pode nem ser preso em alguns casos].
"A pena de maus-tratos também pode ter alguns agravantes. Se tem lesão corporal, muda para reclusão de 1 a 4 anos, e aumento de 1/3 nos casos de menores de 14a nos", explica Jaqueline.
Em uma eventual condenação pelos dois crimes, o juiz do caso deve analisar todos os agravantes e atenuantes e fazer a dosimetria da pena.
De acordo com a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), o auxiliar de serviços gerais de 31 anos está preso na Penitenciária II de Tremembé (SP) desde quarta-feira (3).
Perda da guarda
A presidente da Comissão do Direito da Criança e do Adolescente da OAB/Campinas explica que nem sempre há a chamada perda da guarda numa eventual condenação do pai, mas diversos fatores são analisados pela Vara da Infância e Juventude.
Juiz assessor da presidência do Tribunal de Justiça do estado (TJ-SP), Iberê de Castro Dias explica que o acolhimento é uma medida excepcional prevista pelo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) e o atendimento ocorre após determinação judicial. Segundo ele, neste período há um estudo sobre a possibilidade da criança ficar sob a tutela da chamada "família extensa" - como os tios - nos casos em que não há oportunidade de ficar sob cuidados de pais ou responsáveis.
"Não basta somente boa vontade, é preciso verificar se estas pessoas têm condições psicológicas de receber a criança e de permitir que ela tenha o seu desenvolvimento", falou o magistrado da Vara da Infância e Juventude de Guarulhos (SP) sem entrar em particularidades do caso de Campinas.
De acordo com ele, o acolhimento deve ocorrer por até 18 meses, mas na maioria dos casos o tempo é inferior. Por outro lado, caso a criança não tenha condições de ficar sob cuidados de outros parentes, nem tenha famílias interessadas em adoção na hipótese de destituição, ela pode ficar até os 18 anos.
O G1 apurou que o garoto chegou ao serviço de acolhimento na tarde desta quarta, mas a instituição manteve sigilo.
Omissão
Além do pai do garoto, a Policia Civil indiciou a namorada dele, de 39 anos, e a filha dela, de 22 anos, por omissão. Segundo a advogada, não é preciso que elas tenham praticado qualquer ato contra o garoto para serem indiciadas, mas todas as circunstâncias do caso ainda serão esclarecidas.
A pena para omissão em face de condutas de tortura é de detenção de 1 a 4 anos.
Segundo a SAP, as duas mulheres deixaram a Penitenciária Feminina de Campinas e foram transferidas para a unidade de Tremembé na quarta (3).